quinta-feira, abril 13, 2006

Este é um post longo, desculpem. Quem tiver paciência que leia...
Este excerto foi-me enviado pelo meu mano,
Quando tentei esquecer-te (Paixão) pela primeira vez.
Talvez não seja má ideia voltar a tentar...


"Voltei a pensar em ti. Um dia mais, um mês mais, um ano mais.
Em Fevereiro é sempre pior. Os bailes de máscaras e os corações de cetim cintilante em montras de namorados tornam-se verdadeiros avivadores de memórias. Como o algodão doce. Deixa-nos na boca cor-de-rosa de açúcar, um fio doce, doce e bom, de tal forma que nem a doçura amarga volta.
Assim é o amor, “o que não mata morre…o que não morre mata.”
Nós, os “mortos”, aqueles fanáticos do amor a quem o fatalismo tocou, somos muitas vezes toldados por esse grande defeito de ter uma dose de amor a mais. Basta uma só. Às vezes acontece bater certo, se a substituirmos ou dividirmos em vez de somarmos e multiplicarmos, porque os números são ajustes de contas infinitos, e o infinito é quase eterno e o eterno faz dores de cabeça por ser tão grande, tão catastrófico e nos tornar tão impotentes perante ele. A verdade é que meio mundo anda a chorar à socapa de outro meio. Meio mundo arrasta o coração de dez toneladas explodindo em culpa. Meio mundo espera, na impaciência resignada dos dias, que essa outra parte perdida volte. Meio mundo anseia que o destino interceda em seu favor e lê nas estrelas e no “tarot” toda a luz que precisa para que o planeta gire ao contrário e as peças se toquem na mesma órbita, naquele preciso instante matematicamente certo.
Mas o universo não é assim. As estrelas e os cometas e os meteoritos que se encontraram, uma vez que fosse, ainda que inflamados em fogo, desaparecem em órbitas diferentes, em direcções diferentes, opostas até. E esse ponto único de cruzamento futuro é apenas absurdo. Então, inventamos uma só palavra que define com doçura e encanto a improbabilidade universal de dois corpos se voltarem a encontrar com a mesma intensidade de luz – a saudade. Somos apenas almas que gerem com maior ou menor perícia essa saudade doida.
Sentada num banco do jardim olho a árvore. A mesma que, da janela do meu quarto, atravessa as cores e o vento e o cheiro das estações. Sei que os troncos nus e vazios da noite acordam vestidas de folhas, as folhas enfeitam o jardim de verde-novo, amarelecem e vão-se embora. Não tem importância nenhuma porque é sempre assim, sem novidade. Prefiro a ausência, uma saudade arrefecida, uma saudade que nos faz ter tempo para recuar e olhar para dentro. A saudade não, não sobra tempo para nada, porque todo o tempo do mundo lhe pertence. Por isso gosto da ausência, tem a virtude de seleccionar o melhor, dar lustro às imagens que julgávamos desimportantes, a passar um mata-borrão nas más. Na ausência, resolvemo-nos por dentro e acertamos contas com a memória das coisas boas. Como a luz do teu olhar, sempre que alongávamos a vista pelas ondas altas de espuma a rebentarem do outro lado da estrada e te ouvia a falar do juízo da vida. Ou quando nos sentávamos nos degraus de pedra a escutar o silêncio dos cedros que varriam as nuvens devagarinho para perto do mar. Ou simplesmente nada. No nada que nos separa agora cabe lá tudo o que quisermos. É melhor que não voltes. Quando voltas, baralho a ausência com a saudade e confundo tudo. Não posso fazer travar a história dividida das nossas vidas, nem amplia-la à minha maneira para que a lembres melhor. Do que serve colar “cromos” de um metro e oitenta, cultos e tudo, na caderneta? Ceder à tentação de um “new-look” ultra arrojado? As massagens de requinte asiático que nos devolvem o corpo de vinte anos? Viver de sopa e ananás quinze dias seguidos? Chorar ao colo do psiquiatra ou fugir para as Maldivas?
Dizem que o tempo cura. É mentira. O tempo não cura nada, o tempo alivia a dor, consola-nos a alma, ensina-nos a tratar os afectos como pessoas crescidas. Uma espécie de anestesia fraquinha, que nos faz distrair de nós mesmos. Das nossas emoções e da força dos nossos sentidos. E depois vêm os entendidos, movidos pela urgência da cura. Trazem o diagnóstico numa mão e a receita noutra. Chama-lhe obsessão, fixação, paranóia, teimosia, e para que ela se instale há que declinar o verbo esquecer, em todos os tempos e modos, como se alguém assim estivesse realmente interessado em esquecer. Mas na verdade tornámo-nos “artistas do amor” e a convalescença é apenas o analgésico da recaída – quando nos julgamos sarados de ausência, ela ganha contornos antigos e de repente agita-se à nossa frente maior do que nunca antes. É este o sentido trágico da vida: a dose a mais de amor, aquela que mata porque não morre. Contas feitas, o que prevalece são paródias de Carnaval… A pressão da água a explodir dentro dos balões, serpentinas partidas que não chegam a atravessar o dia, máscaras para esconder o cansaço, desfiles de ilusão pelas ruas da cidade e os tais corações de cetim brilhante, como a minha avó dizia: “brilham tanto que são falsos, filha, os verdadeiros vêm-se à distância”.
Entre a verdade que dói um bocadinho e a imitação que distrai um bocadinho, “faz-se da vida uma aventura errante.”
Na ausência tudo isto fica mais claro. Vou ver se não volto a pensar em ti…"

Coração de Cetim” – Maria de Lopo de Carvalho (16 Fev. 2002)

9 Comentários:

Blogger inBluesY disse...

(confesso li um bocado em diagonal, mas hei de voltar, hoje não) mas na diagonal e não por ser a de fecho, gostei muito desta ..."vou ver se não volto a pensar em ti"... palavras para quê ...??

um Beijo

4:09 da tarde  
Blogger pexeseco disse...

Nao acredito que Fugir p'rás Maldivas ajude...!
BOA PASCOA
B'jinhos!

7:13 da tarde  
Blogger Zeze disse...

Oi, Passei para lhe desejar uma boa Páscoa cheia de...(resp.no meu blog,eheh) Beijoka

11:22 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

És mesmo original. Não sabes escrever da tua autoria? Aproveita e mostra antes o teu corpo, tu sabes o que queremos ver. Não te esqueças de deixar o preço.

1:12 da manhã  
Blogger Alexandre o Grande disse...

Lindissimo Paixão!

Feliz Páscoa.

5:40 da tarde  
Blogger free emotions disse...

os nossos afectos ficam registados na forma de sentir , pensar e agir.
O tempo ajuda a enquadrá-los na nossa memória...não adianta usar máscaras.

beijos para ti

6:29 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Olá

Lindo texto..muitas dessas palavras estou agora a sentir...
Errante estou a tornar me.

Boa Páscoa
Beijo

11:17 da manhã  
Blogger Tetracloro disse...

Muita giro. Beijinhos Tetraclorados.

12:10 da manhã  
Blogger Unknown disse...

A paixão é lixada :)

«"Fica querida com um beijo que não passe"
Pedro Paixão

Não devia ter-te deixado entrar assim na minha vida, não devia. Mas
não pude. Entraste em mim num assalto e foi doce resistir. Agora quero
expulsar-te, e não consigo. Perdi-me em ti, por descuido. Agora não me
encontro sem ti.

De tudo nada ficou como prova: nem uma linha com a tua caligrafia, nem
uma fotografia em que estivéssemos os dois, nem um dos teus lenços
preferidos. Por vezes julgo, enlouquecida, que nem sequer exististe.
Fecho os olhos e faço por fixar uma só imagem na memória, um só
movimento curto dos teus braços, um sorriso na tua cara, uma única
palavra, boa ou má, e não consigo. A imagem escorrega, desfaz-se no
centro ou nos cantos. Quanto mais tento, mais me escapa. Volto atrás e
recomeço. O que me vem não é o mesmo. Não quero abrir os olhos para
não ter que não te encontrar.

Quando me encontraste não precisava de ti. Já tinha ouvido dizer o teu
nome e não fiquei curiosa. Quando me telefonaste disse-te que sim,
como diria que não, por tédio. Como tu conheci muitos. No jantar
aborreceste-me com as tuas conversas em que só falavas de ti, directa
ou por interposta pessoa. Conhecia o teu género e não me agradava. Nem
sequer chegavas a ser bonito ou frágil. Bebias demasiado. Estavas
cheio de ti. Quando chegou o fim do jantar digo-te que o que senti foi
alívio.

Telefono-te e tu não atendes. Sei que estás lá. Sei ainda que sabes
que sou eu. E não atendes. Telefono a meio da noite para te acordar,
para te obrigar a pensar em mim. Mal ou bem, é-me indiferente. Sim,
chama-me nomes: sou eu.

Tudo foi por acaso. Achei ridícula a tua insistência ao telefone.
Disse-te para não vires, e tu desobedeceste. Chovia muito. Eu chorava,
por razões que nunca saberás, que nem sequer quiseste saber.
Agarraste-me os braços, armado em protector. Nem sequer ouvia o que me
dizias quando te deitaste ao meu lado no sofá. Ouvia só o som da tua
voz, esse sim, confesso, a encantar-me. E depois tomaste-me como um
ladrão, fazendo de cada recusa um avanço. Não era o teu nome que eu
sussurrava entre dentes enquanto julgavas que me tinhas.

Deixaste-me de uma maneira tão cobarde. Na véspera, depois de uma
discussão horrível, voltaste a prometer-me tudo. Sabia que mentias. E
quando de manhã te deixaste ficar na cama e te despediste de mim
lembrando-me que tínhamos um cinema combinado para a noite, também
sabia que mentias. Quando voltei soube que tinhas dito a verdade
quando repetias que não me merecias. Sobre a cama um postal com uma
frase escrita à máquina: "Fica querida com um beijo que não passe". Só
te vou perdoar quando te esquecer.

Não sei quanto tempo demoraste a perceber que estares ali comigo não
era uma vitória tua e que usava da companhia do teu corpo e dos seus
préstimos para outras coisas tão banais como seja ires comigo à
lavandaria. Mas sei que quando o soubeste e partiste uma primeira vez,
a verdade era outra, e muito pior para mim. Houve essa noite em que
soube que já não podias partir sem estragos, que já não suportaria
perder-te sem dor.

Foram dois meses? Três? Em viagem o tempo é mais veloz ainda. Enquanto
conduzias adormecia facilmente no teu colo. E nos hotéis protestavas
contra tudo, envergonhando-me. Deixavas-me pagar as contas todas, e
nada tinha demasiada importância. As paisagens eram belas, as cidades
silenciosas, as estradas largas. Só tu eras o contrário do que devias
ser e encalhei em ti como uma náufraga. Bebias sempre demasiado.
Alternavas as palavras mais carinhosas com uma violência
despropositada. Irritavas-te comigo, contigo, com o empregado de
balcão. Fazias-me chorar. Aprendeste depressa demais todos os segredos
do meu prazer e abusavas deles. A tua ideia do futuro era a de um
planeta só habitado por loucos e criminosos. Confessavas muitas vezes
que o nosso encontro tinha de ser breve para sé manter belo. E
enquanto durava ias estragando tudo.

Sei agora que o que me fascinava em ti era a tua desi1usão. Tinhas
estudado matemáticas em Atenas mas só admiravas os poetas. Ganharias
dinheiro facilmente, mas recusavas-te. Nunca falavas de outras
mulheres, o que era pior ainda. Os teus olhos, turvos por detrás das
lentes, ajudavam ao mistério. Quando bebia contigo levavas-me para
sítios tão inóspitos que tinhas de me trazer de volta, e eu tinha
tanto medo como quando era criança e o meu pai me fazia atravessar o
corredor sem luz. Assustavam-me as tuas bruscas mudanças de humor, as
tuas súbitas ausências. Nunca te vi ler um livro. A vez que te vi mais
entusiasmado foi diante da televisão a ver um jogo de futebol. Mas às
vezes, inesperadamente, recitavas Homero, em grego antigo, sem que eu
entendesse uma só palavra, e eu sabia então como nunca da minha
paixão.

Já não te escrevo cartas. Tenho a certeza de que não as abres e que as
deitas para um canto junto com as contas por pagar e a publicidade de
enciclopédias. Gasto demasiado dinheiro a mandar-te telegramas. Perdi
toda a vergonha. Suplico-te que voltes. Ofereço-me como escrava. "Faz
de mim o que quiseres". E tu não fazes nada. Se ao menos tivesses medo
de mim, como tive de ti, e o perdi.

Presente, ainda te conseguia assustar. Lembras-te como te pus a
sangrar com o estalo que te dei no carro, quando me disseste que
restava sempre uma maneira radical e defenitiva para escapar de ti?
Quando o carro parou saí do carro a correr para dentro da floresta de
castanheiros. Tu tentaste seguir-me, mas depressa deixaste de me ver.
Muito quieta ouvia a tua voz a chamar por mim. Eu sei que estavas
assustado. A tua voz traía-te. Gosto de me lembrar dessa voz a chamar
por mim. Agora já não te posso assustar assim. Esperavas-me no hotel,
onde cheguei bastante mais tarde, num quarto cheio de fumo, com uma
garrafa de Gin no fim, que acabei. E quando te deitei, tu pediste-me
perdão, se bem que já não te lembrasses disso na manhã seguinte. Foi a
única vez que te senti meu.

Adio tudo tanto quanto posso. Tiro férias adiantadas. Deixo as coisas
mais simples por fazer: buscar o relógio que está a arranjar, levar a
roupa à lavandaria. O atendedor automático regista o que, ao fim do
dia, apago sem ouvir. O gato passa a fome que eu não tenho. Fico horas
dentro da banheira a ouvir o mesmo lado do mesmo disco e tu sabes qual
é. Envelheço muito. Não sabia que isto podia acontecer. Começo a
odiar-te, o que não me livra de ti.

Também sabias ser terno e atencioso. Levavas-me pelo braço em visitas
guiadas aos museus para revermos sempre os mesmos quadros que com as
tuas palavras transformavas em lições de história e de moral.
Passeavas-me pelos parques nos dias muito frios com o teu cachecol
encarnado, inventando o nome das árvores, beijando-me sem pudor diante
de grupos de velhos. Sabias levar-me à felicidade para depois melhor
sentir a tua distância gelada, a tua crueldade física. Muitas vezes
preferi que me batesses a que me deixasses assim, e disse-to.

Fazias-me sentir uma menina, e depois uma estranha, mais tarde um
bicho. Mas nunca era eu. Não me reconhecia nas poucas palavras que
dizias de mim. Rias-te de mim. Eu nunca me ri de ti.

Tive hoje um apetite que não soube identificar. Houve qualquer coisa
que procurei e que não encontrei. Pouco a pouco volto a mim. Dou de
comer ao gato. Não ouço mais o nosso disco, que se partiu. Abro as
janelas e deixo entrar o vento e sabe-me bem. Mais tarde ou mais cedo
serás uma recordação, nada mais. Não depende sequer de mim. É uma
coisa fisiológica. Desculpa-me. Se tivesse mão nestas coisas não seria
assim.

Poucas vezes falavas do que tinhas sido. Do comunismo, o mais belo dos
sonhos, que te tornara patente para sempre a miséria insuperável dos
homens. Dos teus trabalhos de geometria, cinco meses a comer papas e a
dormir três horas para ficares doente um ano inteiro com uma tese que
não serviria nunca para nada. Da morte do amigo querido que desistiu
disto tudo. Odiavas francamente as opiniões e as soluções teóricas.
Dizias que os esquimós eram mais sabedores do que nós e davas
exemplos. O progresso era a pior coisa que podia acontecer à
humanidade. Não concordava com os teus exageros. Dizia-to, e tu
respondias que quanto a isso eras pior do que eu, que não compreendias
nada. Não me lembro de quase nada do que me dizias.

Acordavas de manhã e bebias sumo de laranja com vodka. Acordavas de
noite para fumar. Dormias de manhã até eu voltar. Havia noites que
passavas de pé, a andar de um lado para o outro, como um animal
enjaulado. Como um animal me agarravas, te saciavas, me deixavas.
Voltavas dois dias depois. Quando não sabias inventavas. Não havia
amor possível, dizias, o tempo não deixava. Não acreditavas.
Vomitavas. A vida não é uma coisa que se deseje a alguém, insistias.
Fui eu quem disse que tinha de partir, que já não aguentava. E foste
tu que fugiste, cobardemente, sem te despedires, sem nada deixares a
não ser duas leves marcas no meu corpo que, durante semanas, me
escondi.

Onde estiveres não penses em mim. Deixa-me de todas as maneiras, as
mais subtis. Tem muito cuidado com os cigarros, sobretudo não
adormeças a fumar. Sinto uma paz grande que me vem pouco a pouco
agarrar. Estou cansada. Vou dormir e quando acordar tu já não
existirás em sítio algum dentro de mim. Juro »

5:36 da tarde  

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